quinta-feira, 16 de julho de 2009

Memória do que foi esquecido

E ele olhou para si mesmo e disse: sou a memória daquilo que foi esquecido. E continuou: não sei de mim. Não sei nada de mim. Porém, a flor que nasceu perigosamente na beirada do muro soluçou mais que falou, não sem um certo desdém: Como se alguém pudesse saber algo de si...Esse muro mesmo, nada sabe dele mesmo. Nada sabe de mim. Nada sabe do musgo que, desesperadamente, se agarra a ele com vigor, como se tudo aqui fosse eterno. Jamais vi um musgo tentar dizer algo... Uma formiga que passava por ali emendou, rápida como sempre: Pois eu já vi e muito. São resmungões e nunca deixam de reclamar, ora do calor, ora do frio. Eles nunca estão satisfeitos com o clima. A flor riu e disse: E quem está contente, dona formiga. Quem está contente com o frio ou com o calor? O certo é que ninguém diz coisa com coisa. Ninguém sabe o que diz.... Inclusive você, não dona flor? Disse alguém. Todos se viraram para a voz. Foi então que perceberam que quem havia falado era uma pedra toda irregular, meio enterrada no chão.
Eu não sei se há algum propósito na fala das coisas. Tudo que é dito é também objeto de discussão. Tudo parece sempre tão ambíguo. Não sei se há alguma palavra unívoca, que queira dizer uma só coisa e coincida com alguma coisa, sem contingências. Não sei mesmo. Aliás, eu não sei nada. Mas também não deixo de falar. Pois é. As palavras não se aquietam. Elas sofrem de uma inquietude essencial. Mesmo quando se calam elas ficam flutuando, prontas para explodirem no ar, tentando significar algo. Mas isso é muito estranho, pois a palavra existe apenas com o propósito de significar, não? Não sei mais. Sempre pensei assim como você. Mas sempre que falo fico com a impressão de ter fracassado na comunicação. Nunca consigo dizer o que quero. Também não consigo deixar de falar. Mas está aqui alguém que não apenas fala. Sim, por não conseguir falar o que quero, eu escrevo. Vivo a escrever, mas também não consigo parar, isto é, não consigo dizer o que quero.

Um comentário:

  1. Escrever é sempre deixar de dizer. Tentar traduzir seja de uma lingua a outra seja um sentimento em palavras é trair, e no final das contas, creio que sempre acabamos traindo a nos mesmo.

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