terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Filhote


Já era quase noite. O céu ainda refletia um pouco da luz solar. Mas no quintal de casa, cantos escuros escondiam os detalhes das coisas. Vi algo se mexer, num canto, perto da piscina. Será que vi mesmo algo se mexer ou foi apenas impressão? Fiquei pensando e olhando para o canto. Tive a impressão, novamente, de que algo se mexia ali. E se for um sapo? Entrei em casa em busca de uma lanterna. Voltei ao quintal e joguei  o foco luminoso da lanterna no canto escuro perto da piscina. Para minha surpresa, alguma coisa passou correndo ao meu lado. Na hora pensei que fosse um rato. Corri atrás do vulto com a lanterna e vi de que se tratava: um filhote de passarinho. Bico e asas. Logo vi que era filhote de pardal. Consegui pegá-lo. Ele esperneou com força. Bem, ele está bem forte e está quentinho. Deve ter caído do ninho ainda há pouco. E não deu outra: no muro, uns três metros à direita, vi um pardal piando forte um pio de advertência. Parecia que estava ralhando comigo por pegar o seu filhote. Hesitei um pouco, mas me rendi ao desespero daquela mãe – mãe é mãe, afinal. Coloquei o filhote no chão e ele correu em direção ao muro, onde estava, creio, a sua mãe. Ela continuou ralhando comigo. Resolvi me afastar e entrei em casa. Fui até uma janela e de lá fiquei observando mãe e filho.
A mãe pardal continuou no alto do muro. Parou de piar forte e passou a um trinado mais suave. O filhote ficou no chão, parado. Nisso, a mãe pardal voou para o telhado da casa. Então, lá deve ser o ninho da família, pensei. Mas e agora? A mãe voou para o ninho, mas o filhote não vai conseguir voar até lá. Se eu tivesse uma escada alta, poderia devolver o fujão ao seu ninho. Mas a minha escada era pequena para esta tarefa. Esperei mais um tempo e a mãe pardal não voltava e nem dava ar se sua graça. O pequeno filhote continuava lá, ao pé do muro, no escuro.
Pensei logo em um gato, furtivo, elegantemente maldoso, que de um salto abocanha aquela criaturinha que nem sequer sabe ainda voar. Não, eu não posso deixar que isso aconteça! De jeito nenhum! Um pouco antes, eu estava pensando na possibilidade de deixar a Natureza seguir o seu curso. Quantas vezes isso deve ocorrer por dia: filhote cai do ninho e vai direto para a boca do gato. Foi quando pensei na boca do gato e resolvi contrariar a Natureza. Fui até o muro e peguei o filhote. Ele esperneava como podia. Tentei não apertá-lo e ele foi se acalmando, se acalmando até que ficou quieto. Procurei uma seringa perdida em uma gaveta da cozinha e dei água para o filhote. Ele bebeu com avidez. Fiquei animado. Misturei fubá com um pouco de água e com um palito fui colocando, aos poucos, a mistura ao alcance do bico do filhote. Ele comeu um pouco, mas só um pouco e depois se recusou a abrir o bico. Não insisti. Fui até o meu vizinho e no quintal dele peguei umas palhas de milho e com elas improvisei um ninho. Minha mulher arrumou uma sacola de papelão. No fundo desta coloquei o ninho e dentro dele o filhote. Ele se aconchegou e pareceu até dormir.
Fiquei então descansado. No outro dia cedo, assim que a mãe pardal começou a chamar, o filhote deu um jeito de sair do ninho improvisado e foi se postar na porta da cozinha, piando também bem alto. Assim que a porta foi aberta, ele saiu meio voando e meio correndo. Foi ficar junto de sua mãe. Agora ele estava quase voando mesmo. Conseguia fazer uns rasantes bem arriscados, mas foi bem sucedido. Durante o dia, o filhote aparecia correndo no quintal e depois sumia um pouco. Sua mãe estava sempre por perto. De vez em quando, eu ia até o quintal e o procurava. Às vezes não o achava. Às vezes o achava e em lugares os mais diversos. Encontrei-o debaixo do carro, na garagem. Depois estava perto da piscina.
Agora mesmo, já quase noite, encontrei-o com sua mãe, no alto do muro. Era ele mesmo. Sua mãe voou. Ele ficou ali, hesitando. Procurei não incomodá-los. Quando voltei para ver onde estava o meu filhote, não o vi mais. A noite a tudo cobria com o seu véu escuro.

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