Já era quase noite. O céu ainda
refletia um pouco da luz solar. Mas no quintal de casa, cantos escuros
escondiam os detalhes das coisas. Vi algo se mexer, num canto, perto da
piscina. Será que vi mesmo algo se mexer ou foi apenas impressão? Fiquei
pensando e olhando para o canto. Tive a impressão, novamente, de que algo se
mexia ali. E se for um sapo? Entrei em casa em busca de uma lanterna. Voltei ao
quintal e joguei o foco luminoso da
lanterna no canto escuro perto da piscina. Para minha surpresa, alguma coisa
passou correndo ao meu lado. Na hora pensei que fosse um rato. Corri atrás do
vulto com a lanterna e vi de que se tratava: um filhote de passarinho. Bico e
asas. Logo vi que era filhote de pardal. Consegui pegá-lo. Ele esperneou com
força. Bem, ele está bem forte e está quentinho. Deve ter caído do ninho ainda
há pouco. E não deu outra: no muro, uns três metros à direita, vi um pardal
piando forte um pio de advertência. Parecia que estava ralhando comigo por
pegar o seu filhote. Hesitei um pouco, mas me rendi ao desespero daquela mãe –
mãe é mãe, afinal. Coloquei o filhote no chão e ele correu em direção ao muro,
onde estava, creio, a sua mãe. Ela continuou ralhando comigo. Resolvi me
afastar e entrei em casa. Fui até uma janela e de lá fiquei observando mãe e
filho.
A mãe pardal continuou no alto do
muro. Parou de piar forte e passou a um trinado mais suave. O filhote ficou no
chão, parado. Nisso, a mãe pardal voou para o telhado da casa. Então, lá deve
ser o ninho da família, pensei. Mas e agora? A mãe voou para o ninho, mas o
filhote não vai conseguir voar até lá. Se eu tivesse uma escada alta, poderia
devolver o fujão ao seu ninho. Mas a minha escada era pequena para esta tarefa.
Esperei mais um tempo e a mãe pardal não voltava e nem dava ar se sua graça. O
pequeno filhote continuava lá, ao pé do muro, no escuro.
Pensei logo em um gato, furtivo,
elegantemente maldoso, que de um salto abocanha aquela criaturinha que nem
sequer sabe ainda voar. Não, eu não posso deixar que isso aconteça! De jeito
nenhum! Um pouco antes, eu estava pensando na possibilidade de deixar a
Natureza seguir o seu curso. Quantas vezes isso deve ocorrer por dia: filhote
cai do ninho e vai direto para a boca do gato. Foi quando pensei na boca do
gato e resolvi contrariar a Natureza. Fui até o muro e peguei o filhote. Ele
esperneava como podia. Tentei não apertá-lo e ele foi se acalmando, se
acalmando até que ficou quieto. Procurei uma seringa perdida em uma gaveta da
cozinha e dei água para o filhote. Ele bebeu com avidez. Fiquei animado.
Misturei fubá com um pouco de água e com um palito fui colocando, aos poucos, a
mistura ao alcance do bico do filhote. Ele comeu um pouco, mas só um pouco e
depois se recusou a abrir o bico. Não insisti. Fui até o meu vizinho e no quintal
dele peguei umas palhas de milho e com elas improvisei um ninho. Minha mulher
arrumou uma sacola de papelão. No fundo desta coloquei o ninho e dentro dele o
filhote. Ele se aconchegou e pareceu até dormir.
Fiquei então descansado. No outro
dia cedo, assim que a mãe pardal começou a chamar, o filhote deu um jeito de
sair do ninho improvisado e foi se postar na porta da cozinha, piando também
bem alto. Assim que a porta foi aberta, ele saiu meio voando e meio correndo.
Foi ficar junto de sua mãe. Agora ele estava quase voando mesmo. Conseguia
fazer uns rasantes bem arriscados, mas foi bem sucedido. Durante o dia, o
filhote aparecia correndo no quintal e depois sumia um pouco. Sua mãe estava
sempre por perto. De vez em quando, eu ia até o quintal e o procurava. Às vezes
não o achava. Às vezes o achava e em lugares os mais diversos. Encontrei-o
debaixo do carro, na garagem. Depois estava perto da piscina.
Agora mesmo, já quase noite,
encontrei-o com sua mãe, no alto do muro. Era ele mesmo. Sua mãe voou. Ele ficou
ali, hesitando. Procurei não incomodá-los. Quando voltei para ver onde estava o
meu filhote, não o vi mais. A noite a tudo cobria com o seu véu escuro.
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